sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Qual o problema da sexualidade?

Qual o problema da sexualidade?


    Não há justificativa LÓGICA para se defender o heterossexualismo como única prática de satisfação sexual aceitável, mas há justificativas MORAIS, e estas são sempre sujeitas a discussão sobre sua validade. Assim, mesmo não sendo gay, admito que o prazer homossexual é possível, bem como por várias outras parafilias.
     Primeiramente é preciso distinguir, sem julgamento de valor, que há uma prática sexual tradicional, realizada entre animais da mesma espécie, de sexos opostos, que visa à reprodução da espécie, ponto, mas não final. Este é um tipo de prática sexual, mas está longe de ser a única.
     Parece claro que haja uma pulsão instintiva que leva os animais humanos a realizarem o ato sexual, sem o qual a espécie se extinguiria, contudo, defender a ideia de que tal instinto só se manifesta com a intenção de procriação é muito mais complicado, parecendo mais uma tese moralista que científica.
     Nada mais escroto que um argumento moralista que inicie com: “está mais do que provado que ...”, sem que se mencione uma das provas mais do que dadas. Não está nada provado, mas parece que o ser humano tem uma tendência incontrolável de buscar satisfazer seus desejos. Mesmo que a origem primitiva do desejo seja uma necessidade mítica de preservar a espécie, satisfazer esse desejo já não tem mais essa relação necessária, ou seja, a gente quer gozar porque sim e não porque queremos herdeiros de nossos genes.

Qual o problema da sexualidade?

     Aceitando a premissa que buscamos satisfazer nossos desejos, poderia ser fácil deduzir que esta satisfação independe do meio pelo qual será atingida, ou seja, queremos gozar, não importa com quem ou o quê. Parece e é lógico esse argumento, caso não houvessem ritos culturais, normas sociais, regras de conduta estabelecidas desde pequenos grupos até o âmbito global: a satisfação do prazer está condicionada pela nossa cultura.
     Aí se chega na polêmica do prazer: qualquer relação que não seja heterossexual e exclusivamente entre seres da mesma espécie (que não sejam parentes de primeiro grau, inclusive) acaba sendo enquadrada na categoria das bizarrices, da anormalidade, do reprimível, sem que mesmo se reflita a legitimidade de tais fontes de realização do prazer sexual.
     Resumindo: o homem só pode gozar com uma mulher que não seja sua parente.
     Pequeno, mas é menor ainda: a relação deve ser, preferencialmente, na posição convencionalmente denominada “papai-mamãe” (termo mais broxante impossível). Nada de oral, anal, de quatro, de pé, no chuveiro, na mesa, masturbação, dedada, etc.
     Tudo bem que mesmo sendo restritas as possibilidades, esta única forma moralmente aceita em todo o mundo de satisfação sexual é válida e cumpre a tarefa (há controvérsias, principalmente por parte das mulheres), contudo não há uma justificativa LÓGICA para a repressão de quaisquer outras formas de satisfação sexual, as justificativas são MORAIS.
     O corpo humano pode, sim, sentir prazer com um corpo humano do mesmo sexo, com um outro animal, com objetos, com o vento, a água, um tecido, silicone, pena, plástico, boca, uma fruta, mãe, irmã, filho, criança, velho, cadáver, e uma variedade incontável de estímulos sensoriais ou não, por exemplo, a própria imaginação. Pode, mas não consegue, pois a carga de educação desenvolvida em cada indivíduo (em maior ou menor instância) conforme a cultura a qual pertença, impede, reprime a possibilidade de tais experiências, ou melhor, a sociedade não deixa.
     Não se está defendendo aqui que o correto é sair comendo animais, cadáveres, bonecas infláveis e crianças de colo, mas a reflexão imparcial a que me proponho é a de que a possibilidade de sensação de prazer sexual por tais meios existe em qualquer corpo humano, contudo, é contida, limitada pela mente cultural dos portadores de tais corpos, isto é, nós mesmos.
     O que incomoda e deve ser discutido é o direito de legislar sobre as escolhas alheias sobre quais meios cada um usa para satisfação de seus prazeres sexuais. Lógico que tal satisfação por meio do abuso de qualquer outra pessoa (quando não há consentimento) seja estupro, abuso de indefesos, violação de corpos,  é condenável pelo princípio da preservação da integridade física alheia, estamos falando de crime.
     Mas condenar alguém por preferir satisfazer-se com seu cachorro, com um mamão, consigo mesmo, está fora da jurisprudência individual que nos compete, ou seja, ninguém tem esse direito.  Reprimir alguém que escolhe o prazer homossexual é mais arbitrário ainda, uma ingerência violenta, ditatorial, arrogante, presunçosa, descabida por parte de quem assim o faz.
     Nada contra não gostar, achar errado, projetar-se no homossexual e sentir nojo, aversão, ou qualquer outro incômodo, ou mesmo verbalizar tais opiniões ou sensações, mas ninguém tem o direito legal ou moral (Kantiana e Hegeliana) de que suas opiniões e falas causem quaisquer danos (físicos ou morais) aos homoeróticos.
     Em uma sociedade cada vez mais laica, livre do jugo de uma crença totalitária, repressora como sempre foi a igreja, a defesa da liberdade de expressão, do desenvolvimento do ser humano em sua plenitude, passa necessariamente pela aceitação de que os outros podem escolher os meios pelos quais atingirão o prazer, contanto que não coloquem vidas em risco. Poderia até sugerir que deveríamos defender o direito dos masoquistas e demais parafílicos inofensivos, mas pelo menos que os homossexuais passem a ter um tratamento normal é o mínimo que se pode esperar.
     Esta é uma defesa moral do direito humano em escolher a fonte de prazer para satisfação pessoal, mas que o texto termine de forma lógica: como não há argumento LÓGICO e LEGAL que legitime o preconceito sexual, agredir ou gerar ações que trarão danos a pessoas que busquem o prazer de uma forma que fuja do padrão, coloca os agressores no mesmo patamar que estupradores, pedófilos e violadores de tumbas.